12/13/2022

XCII- A Escola Positiva de Criminologia

Publicada como o título La Scuola Positiva de Criminologia, trata-se de três palestras dadas por Ferri na Universidade de Nápoles, em 1901, a convite de estudantes italianos. Ele a divide em três partes: a primeira faz uma revisão histórica das bases da Escola Positiva, entre elas, a Escola Clássica; a segunda diz respeito a como a Escola Positiva trata o problema da criminalidade; e a terceira evolui no sentido de indicar os remédios desta escola para resolver o problema da criminalidade.

Com presente tom cientificista, Ferri desenvolve ao longo da palestra um paralelo entre criminalidade e doenças: enquanto a febre tifoide e a malária, ao terem suas causas e transmissão estudadas, recuaram diante dos remédios desenvolvidos pela medicina, a loucura, o suicídio e o crime crescem em ritmo acelerado, o que prova que além de estudar os fenômenos, a ciência deve encontrar diagnósticos mais precisos dessas doenças morais que afligem sociedade a fim de encontrar remédios mais efetivos contra elas.

Os próprios expoentes da Escola Clássica perceberam, em 1879, que a justiça criminal teria que se rejuvenescer e atualizar utilizando-se das ciências naturais, substituindo a abstração por uma análise de fatos concretos (Enrico Pessina). Giovanni Bovio, com a obra "Um Estudo Erítico da Criminologia" preparou o terreno para novas ideias apontando todas as falhas e fraquezas da estrutura clássica. Basicamente, o sistema punia sem curar, quando o ideal seria curar sem qualquer forma de punição.

A Escola Positivista de Criminologia surgiu na Itália através da atração dos italianos pelo estudo da criminologia. Seu nascimento também se deve a uma condição particular do país: a crescente criminalidade. Ela se inaugura com Cesare Lombroso em 1872, que começou uma nova forma de estudar a criminalidade – a partir, primeiramente, do criminoso, e não do crime.

Uma das principais características da Escola Positivista é a sua negação do livre-arbítrio. Ao longo de toda a obra, Ferri desconstrói o que se mostra peça fundamental da Escola Clássica e do próprio sistema jurídico da época em que vive (apesar da evolução no ramo científico, ele ressalta, a legislação não se atualizou no mesmo ritmo). Ele acredita que o cometimento de um crime se deve a uma combinação de três fatores que em determinado momento podem agir sobre a personalidade da pessoa: antropológico, telúrico (ambiental) e social.

A escola positiva de criminologia conseguiu a mesma evolução no que dizia respeito ao tratamento dos loucos (não mais responsáveis ou agredidos pela sua loucura) aos prisioneiros. O pensamento clássico dizia que o crime envolvia uma culpa moral por ser resultado do livre arbítrio do homem, que abandonava o caminho da virtude e escolhia o crime. A escola positivista por sua vez, defende que nada depende da vontade do criminoso; ser um delinquente envolve questões pessoais, físicas e morais, bem como viver em ambiente propício. Tudo isso se torna uma cadeia de causas e efeitos, externos e internos, que o torna mais propenso ao crime. Essa é a conclusão a que chega a escola positivista.

A ilusão do livre arbítrio tem suas bases na consciência interior. Se um homem sabe a principal causa de um fenômeno, ele diz que é inevitável. Se não as sabe, chama de acidente. É evidente que a simples ideia de acidente não é científica: todo fenômeno possui uma causa. O mesmo é verdade para os fenômenos humanos, mas como não se sabe as causas internas e externas na maioria dos casos, finge-se que eles não são necessariamente determinados pelas suas causas. Deve-se analisar quais as causas que determinaram a escolha dessa pessoa.

O estudo dos criminosos e as consequências lógicas decorrentes dele podem mudar completamente a justiça humana, não apenas como teoria baseada em livros científicos, mas também como prática aplicada todos os dias àquela porção da humanidade que caiu no crime. Ferri é otimista sobre o trabalho em torno da verdade científica que poderia transformar o sistema penal em simples instrumento de preservação da sociedade contra a doença do crime, despindo-a de quaisquer ideias de vingança, ódio e punição, que sobreviverão como lembranças de uma época primitiva. É contra, justamente, essa ideia de punição: não pode ser considerado justo o ato humano de trancafiar outro homem em uma cela apertada, evitando que ele tenha qualquer tipo de contato com outras pessoas e dizer, ao final da pena, "agora que seus pulmões não estão mais acostumados a respirar ar aberto, agora que suas pernas não estão mais acostumadas a serem usadas, vá, mas tome cuidado e não repita o que você fez, ou sua sentença será duas vezes pior".

Quando um crime é cometido, estudiosos do direito se ocupam de perguntas como "qual o tipo penal cometido e sob quais circunstâncias?", esquecendo-se de um primeiro problema, que afeta a maior parte da população: quais as causas do crime? Essas duas visões retratam duas escolas criminalísticas: aquela, a escola clássica, ocupada com a análise jurídica e as circunstâncias sob a qual o agente se encontrava – menor, louco, bêbado, etc. A escola positiva, por sua vez, tenta resolver o caso desde sua origem, das razões e condições que induziram o homem a cometer tal crime.

Os clássicos não se ocupavam de estudar as causas da criminalidade, eles a têm como um fato consumado e seu remédio contra ela, a punição. Eles analisam do ponto de vista jurídico, sem perguntar como esse fato criminológico pode ter sido produzido e por que ele se repete. A teoria do livre arbítrio exclui a possibilidade dessa questão científica, se um criminoso comete um crime, comete porque quis, o que apenas depende da sua determinação voluntária.

Não há no mundo outro remédio contra o crime que não a repressão. Jeremy Bentham fala que toda vez que a punição é infligida, ela prova sua ineficácia, ela não previne do cometimento de crimes. Se um homem não comete um crime isso é devido a razões diferentes do que simples medo da pena. Quem comete um crime movido por forte sentimento passional não refletiu antes de fazê-lo (não pensando também se seria preso ou nas consequências); quem, por outro lado, planeja o crime cuidadosamente, fá-lo acreditando na impunidade.

Ferri não apenas explica a Escola Positiva Penal em que se insere, como tece críticas importantes ao sistema criminal da época, como por exemplo, a aplicação de uma mesma espécie de pena – a prisão - para crimes totalmente diferentes, cabendo ao juiz apenas decidir a duração do encarceramento. O paralelo que trava entre a criminologia e a medicina é tão forte que, inclusive, compara essa realidade ao caso do médico tratar diferentes doenças com um mesmo tratamento, sem que lhe ocorram as particularidades do paciente.

Concluindo, acredita que a Escola Clássica não conseguiu enxergar longe o suficiente para propor remédios eficazes para a criminalidade. A missão histórica daquela escola consistiu na redução da punição, sendo um protesto contra as penas bárbaras da Idade Média. Os positivistas, por sua vez, possuem a missão de adicionar ao problema a questão da redução dos crimes. Os remédios da escola clássica não tinham como objetivo melhoras na vida humana, mas apenas a missão ilusória de justiça retributiva, juntando delinquência moral com a punição correspondente nos moldes das sentenças legais. O código penal está longe de remediar alguma coisa, ele serve para isolar temporariamente das relações sociais aqueles que são ditos não merecedores dela. Essa punição de fato previne que o criminoso repita seu crime, mas é evidente que a punição não é imposta até depois da pena ter sido cumprida, é um remédio dirigido contra os efeitos, mas não toca nas causas. O legislador, dessa forma, mais do que curar a doença, deveria tratar suas formas de transmissão.

Ele admite que a cura da sociedade não será tarefa simples, o processo será lento e complicado. No entanto, se mostra otimista ao afirmar que o trabalho perseverante e sistemático por parte dos legisladores e cidadãos, se desenvolvidas medidas de preservação da sociedade, complexas e variadas, podem alcançá-la.


Outras Fontes Bibliográficas do Autor Enrico Ferri:

CARNEY, Phil. Enrico Ferri in Fifty Key Thinkers in Criminology, edited by Hayward, Keith; Maruna, Shadd and Mooney, Jayne. New York, Routledge, 2010. pp. 36-41.
FERRI, Enrico. Criminal Sociology, tradução inglesa da obra Sociologia Criminale, trad. desconhecido, in Project Gutenberg, março 1996. Acessado em 31 de outubro de 2014.
FERRI, Enrico. The Positive School of Criminology, tradução inglesa da obra La Scuola Positiva de Criminologia, trad. Ernest Untermann, 1908, in Project Gutenberg, janeiro 2004. Acessado em 31 de outubro de 2014.
FERRI, Enrico. Socialism and Modern Science (Darwin, Spencer, Marx), tradução inglesa da obra Socialismo e Scienza Positiva, trad. Robert Rives La Monte, 1917, in Project Gutenberg, maio 2006. Acessado em 31 de outubro de 2014.
FERRI, Enrico. Studi sulla Criminalità in Francia dal 1826 al 1878, Roma, Eredi Botta, 1881. Disponível em Gallica - Biliotèque Numérique. Acessado em 14 de outubro de 2014.
POZZOLINI, Alfredo. Lezione Commemorativa di Enrico Ferri: Detta in Pisa nell'aula III dela sapienza, il XVI aprile MCMXXIX. Pisa: Arti-Grafiche Pacini-Mariotti, 1929. 19 p. Disponível em Centro Servizi Archivio Storico Universitario di Bologna. Acessado em 14 de outubro de 2014.
Marxist Internet Archives. Disponível em Marxist Internet Archives. Acessado em 15 de outubro de 2014.
STRONATI, Monica. Enrico Ferri - Il Contributo Italiano alla Storia del Pensiero – Diritto, 2012. Disponível em Treccani - L’Inciclopedia Italiana. Acessado em 31 de outubro de 2014.
SIRCANA, Giuseppe. Dizionario Biografico degli Italiani - volume 47, Roma, 1997. Disponível em Treccani - L'Inciclopedia Italiana - Dizionario Biografico. Acessado em 31 de outubro de 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário